A Senhora dos Remédios

Lamego

Em Setembro é a Senhora dos Remédios.
Mãe, deixe-me ir à Senhora dos Remédios.
Já tenho dezassete anos, já não uso tranças
e sei-me portar como uma senhora:
já posso ir à Senhora dos Remédios.
Aquilo é que é uma festa, mãe. Disse o João
que nem o Viso nem o S. Leonardo juntos
chegam aos calcanhares da Senhora dos Remédios.
Muita gente, muita gente, foguetes,
arcos, música e ruas largas, muito largas.
Fontes e Galafura são umas territas…
Lamego, não. Lamego é uma cidade,
disse o João. E o Santuário?
Ah o Santuário é que é importante!
Só o escadario tem mais pedra
que a nossa terra toda junta.
Muita gente de joelhos por ali acima:
uns com velas, outros sem velas…
Aquilo é que são promessas! Ó mãe,
também hei-de fazer uma promessa.
Já tenho as minhas coisitas:
já é tempo de fazer uma promessa.
Vai ser lindo, lindo, subir o escadario de joelhos.
Depois, hei-de chorar ao pé do andor da Senhora.
E a procissão? Ah a procissão!
Os anjinhos são tantos como as estrelas.
Disse o João e ele não mentia.
Muita gente e andores muito altos.
Aquilo sim. E há respeito. Respeito, mãe!
É a Senhora dos Remédios e a Senhora dos Remédios
não é uma santa como outra qualquer.
Depois vem o arraial. O arraial é que é!
Nem o do Socorro, nem o da Assunção, nem nada.
Música por todos os lados, foguetes,
música, muitos foguetes,
e é dançar até de madrugada.
Mãe, deixe-me ir à Senhora dos Remédios.
O João, este ano, também vai…

António Cabral para Eito Fora por Pedro Colaço Rosário (2001)

António Cabral [1931-2007] foi um poeta, ficcionista, cronista, ensaísta, dramaturgo, etnógrafo e divulgador da cultura popular portuguesa.

Nascido em Castedo do Douro, em pleno coração duriense, a 30 de Abril de 1931, iniciou a actividade literária com o livro de poesia Sonhos do meu anjo, publicado em 1951. Ao longo de 56 anos de carreira dedicada à escrita, publicou mais de 50 livros em nome próprio, abraçando géneros tão diversos como a poesia, o teatro, a ficção e o ensaio, dedicando-se em paralelo ao estudo apurado e divulgação das tradições populares portuguesas. As suas raízes transmontano-durienses e a ligação à terra que o viu nascer, “o Paraíso do vinho e do suor“, são presença incontornável em toda a sua obra.

Colaborou em jornais e revistas de todo o país, co-fundou as publicações Setentrião, Tellus e Nordeste Cultural, participou em programas televisivos, radiofónicos e conferências, contribuiu com textos para várias antologias, colectâneas e manuais escolares, prefaciou livros. Alguns dos seus poemas foram cantados, no período pré 25 de Abril, por Francisco Fanhais, Adriano Correia de Oliveira, Manuel Freire e, mais recentemente, interpretados pelos Xícara, Rui Spranger, Blandino e Rui David.

No campo da intervenção sociocultural dirigiu, a nível distrital, instituições como o F.A.O.J. (Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis) e o I.N.A.T.E.L. (Instituto Nacional de Aproveitamento dos Tempos Livres), fundou e co-fundou o Centro Cultural Regional de Vila Real (C.C.R.V.R.) e A.N.A.S.C. (Associação Nacional dos Animadores Socioculturais), respectivamente. Como Presidente do C.C.R.V.R., promoveu cinco encontros de escritores e jornalistas de Trás-os-Montes e Alto Douro e impulsionou a realização de vários encontros de jogos populares em Portugal e no estrangeiro.

Diplomado em Teologia pelo Seminário de Santa Clara de Vila Real e Licenciado em Filosofia pela Universidade do Porto, António Cabral exerceu actividade de docente nesta cidade desde 1961 até 2007, no ensino particular, secundário e Magistério Primário, com um breve interregno entre 1988 e 1991, anos em que se dedicou à investigação de jogos populares e ludoteoria como bolseiro do Ministério da Educação.

Foi agraciado com as medalhas de prata de mérito municipal pelas autarquias de Alijó (1985) e Vila Real (1990).

António Cabral faleceu em Vila Real, vítima de doença cardíaca, a 23 de Outubro de 2007. Tinha 76 anos de idade. Nesse mesmo ano de 2007 publicou o livro de poesia O rio que perdeu as margens e deixou no prelo A tentação de Santo Antão, prémio nacional de poesia Fernão Magalhães Gonçalves.

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