A POESIA é o que há de infinito em cada palavra. Por isso muita gente sente vertigens, mal se abeira dela. Que fazer? Intrigante é que alguma dessa gente tente afugentar as vertigens com uma praga, qualquer, a qual, bem vistas as coisas, tem sempre algo de mágico, de poético. Pergunta-se: Que fazer? Será tal tontería o reverso finito da palavra poética, formando com ela uma unidade?

A ARTE LITERÁRIA (literariedade ou poeticidade) é o espírito à janela, encarnado na palavra oral ou escrita. Se encarnar na forma e na cor, temos a pintura; na imagem em movimento, o cinema; no som modulado, a música que assim transfigura o rumor das coisas, etc, para as restantes artes rítmicas ou plásticas.

A POESIA é um brilho que fica das coisas quando já não estão nos olhos e crescem para dentro – para os espaços siderais, “o livro do infinito”, como num dos mais belos poemas românticos escreveu (depois dos olhos, diga-se) Soares de Paços. Este e outros como ele não têm grande valor para o materialismo economicista que por aí vai, isto nas barbas da física quântica que nos ensina que, cientificamente e filosoficamente, a matéria não existe, não passa de uma ilusão, e por isso o materialismo não faz sentido.

EZRA POUND: «poesia é a linguagem carregada de sentido» – o que é extensivo às outras linguagens artísticas.

Leio sobre mecânica quântica: “Por detrás de cada elemento pertencente à nossa realidade há inúmeros elementos virtuais, fazendo cada um deles referência a universos fantasmas, realidades que poderiam existir mas que não têm nenhuma consistência dado que não foram ‘materializadas’ por nenhum observador”. Hugh Everett no entanto tinha dito que confrontado com uma escolha – a de cada um de nós no dia a dia, acrescente-se aqui – o mundo assumiria duas versões de si mesmo em todos os pontos. Ora a poesia e a pintura, também as lendas populares, não têm feito outra coisa, desde que apareceram. Corrigindo Jean Guitton direi que tudo o que é imaginado acontece realmente. Aí estão a Odisseia, a Antígona e a Gioconda como provas – provas lúdicas, mas provas. “ A poesia é mais verdadeira do que a história” – Aristóteles.

in Notícias de Vila Real (22-3-2006)

António Cabral para Eito Fora por Pedro Colaço Rosário (2001)

António Cabral [1931-2007] foi um poeta, ficcionista, cronista, ensaísta, dramaturgo, etnógrafo e divulgador da cultura popular portuguesa.

Nascido em Castedo do Douro, em pleno coração duriense, a 30 de Abril de 1931, iniciou a actividade literária com o livro de poesia Sonhos do meu anjo, publicado em 1951. Ao longo de 56 anos de carreira dedicada à escrita, publicou mais de 50 livros em nome próprio, abraçando géneros tão diversos como a poesia, o teatro, a ficção e o ensaio, dedicando-se em paralelo ao estudo apurado e divulgação das tradições populares portuguesas. As suas raízes transmontano-durienses e a ligação à terra que o viu nascer, “o Paraíso do vinho e do suor“, são presença incontornável em toda a sua obra.

Colaborou em jornais e revistas de todo o país, co-fundou as publicações Setentrião, Tellus e Nordeste Cultural, participou em programas televisivos, radiofónicos e conferências, contribuiu com textos para várias antologias, colectâneas e manuais escolares, prefaciou livros. Alguns dos seus poemas foram cantados, no período pré 25 de Abril, por Francisco Fanhais, Adriano Correia de Oliveira, Manuel Freire e, mais recentemente, interpretados pelos Xícara, Rui Spranger, Blandino e Rui David.

No campo da intervenção sociocultural dirigiu, a nível distrital, instituições como o F.A.O.J. (Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis) e o I.N.A.T.E.L. (Instituto Nacional de Aproveitamento dos Tempos Livres), fundou e co-fundou o Centro Cultural Regional de Vila Real (C.C.R.V.R.) e A.N.A.S.C. (Associação Nacional dos Animadores Socioculturais), respectivamente. Como Presidente do C.C.R.V.R., promoveu cinco encontros de escritores e jornalistas de Trás-os-Montes e Alto Douro e impulsionou a realização de vários encontros de jogos populares em Portugal e no estrangeiro.

Diplomado em Teologia pelo Seminário de Santa Clara de Vila Real e Licenciado em Filosofia pela Universidade do Porto, António Cabral exerceu actividade de docente nesta cidade desde 1961 até 2007, no ensino particular, secundário e Magistério Primário, com um breve interregno entre 1988 e 1991, anos em que se dedicou à investigação de jogos populares e ludoteoria como bolseiro do Ministério da Educação.

Foi agraciado com as medalhas de prata de mérito municipal pelas autarquias de Alijó (1985) e Vila Real (1990).

António Cabral faleceu em Vila Real, vítima de doença cardíaca, a 23 de Outubro de 2007. Tinha 76 anos de idade. Nesse mesmo ano de 2007 publicou o livro de poesia O rio que perdeu as margens e deixou no prelo A tentação de Santo Antão, prémio nacional de poesia Fernão Magalhães Gonçalves.

Saber mais…

Escrever um Comentário