Em Trás-os-Montes e Alto Douro cultivava-se a hospitalidade que consistia em as pessoas receberem sem reservas na sua morada (ethos em grego) o conterrâneo ou o passante que batessem à porta. Esta, durante o dia e até à hora de deitar, estava sempre encostada ao batente, sem recurso à língua da fechadura ou, quando muito, apenas com cravelho ou trinco manejáveis por fora.
Explicar tanta confiança não é tão fácil como parece. Virtudes da terra-mãe que é de todos e todos partilham ou devem partilhar sem animosidades. O instinto do sagrado a revelar-se na comunhão necessária com os outros, o outro de si? Ou somente o hábito da vida simples em que o dar e o receber fazem parte dos olhos nos olhos da vida comunitária? Estas questões conduzem-nos amavelmente ao mundo do paraíso perdido ou das grandes utopias. A ser assim, a comunidade não é só dos que vivem numa localidade, perto uns dos outros, mas alarga-se (alargava-se mais do que se alarga) ao nosso semelhante que em princípio é portador da mesma fiabilidade. As más intenções e velhacarias são excepção que confirma a regra.
A porta de entrada tanto podia ficar ao rés-do-chão como no primeiro piso, ao cimo das escadas. Quem batia nesse tempo era porque ia por bem, precisando de ser atendido e por isso, se estava alguém dentro, ouvia logo: entre quem é. Camilo, o escritor, conta que beneficiou algumas vezes dessa bondade, até em casas bem pobres, e o próprio Zé do Telhado, o salteador, ou “repartidor público” como ele se considerava, foi recebido prontamente em terras de Penaguião, numa noite tempestuosa.
Hoje, em tempos socialmente irrequietos (e frustrantes para os saudosistas), o costume vai rareando, ainda que haja zonas onde neste caso a pureza de espírito, quase sempre aliada à pobreza ou ao espírito da pobreza, exclui medos e temores. A porta da rua sempre encostada (cerrada ou çarrada, segundo também se diz e escreve) permite dizer, assim floridamente, a quem bate: entre quem é.
António Cabral [1931-2007] foi um poeta, ficcionista, cronista, ensaísta, dramaturgo, etnógrafo e divulgador da cultura popular portuguesa.
António Pena Gil
É, por isso, que adoro e maravilha-me ser transmontano. Perfeito. Fabuloso e Admirável.
Gentes simples, mas fantásticas e confiantes em si próprias e na Arte de confiar.
Adorei. Notável.
Com respeito. Sempre a considerá-los imenso.
António Pena Gil
Bem-Hajam, pela que são e significam. Imenso!