Prémio Literário António Cabral 2017
Fotografia por Fabrizio Verrecchia (Unsplash)
Fotografia por Fabrizio Verrecchia (Unsplash)

Sublimação da matéria

pouso a mão sobre a terra e digo: sou
daqui, esta é a minha casa, aqui pertenço.
eu sou deste país feito de barro e pedras
onde à noite vêm beber as árvores, onde
nascem os rios e acordam as palavras.

afago com a mão a terra e não resisto
a declarar: amo-te com tua rudeza, tua
brutalidade, teus vermes e teus frutos
futuros, tuas correntes magníficas
subterrâneas de um ciclo perpétuo e
sem tumulto. estendo a mão e adivinho
a calma acesa, o coração aberto, o
fogo incendiando o estrume: tudo em ti
permanece e de ti se alimenta, tudo
converge para ti e lá perdura. estão

em ti, disseminados em partículas
minúsculas, cada dia se afastando mais,
todos quantos amei e amo estando em ti
sob a campânula verde das palavras.
partem de ti os fluxos e os refluxos, o
mar sucumbe na maré dos teus lábios
onde a saliva se transforma em espuma.
pouso a mão e respiro a seiva úbere
da terra, território de lume paus e pedras,
esse país com tanto amor feito de barro.

Nuno de Figueiredo, Prémio Literário António Cabral 2017

Nasceu em Coimbra, em 1943. É licenciado pelo Instituto Superior Técnico.

Publicou em 1985 o seu primeiro livro de poemas, O Desencanto em Canto (edição de autor) e, em 2002, o romance, Os Sinos de São Bartolomeu (Temas e Debates), tendo voltado à poesia em 2003 com A Única Estação (Quasi).

Tem publicado cerca de três dezenas de outras obras poesia, contos, romances, várias das quais distinguidas com prémios literários. Nas primeiras aventuras poéticas assinou Alberto Marques, passando, a partir de Parábolas de Salvação, a assinar Nuno de Figueiredo, independentemente do género tratado.

Escreve para jornais e revistas literárias e está representado em diversas antologias.

A Ilha de Arcangel foi distinguido, em 2005, com o prémio Vasco Branco.

A obra Sublimação da Matéria venceu, em 2017, com o prémio António Cabral.