O professor como instrutor, educador e animador

Instruir (lat. instruereins-truere — construir dentro) é a função do professor, mas essa função, quer como processo do ensino-aprendizagem, quer como seu resultado, excede os limites da transmissão e da aquisição de conhecimentos. “Construir dentro” é organizar, estruturar: integrar os conhecimentos na pessoa do aluno. E porque assim é, tem-se preferido falar de educar (lat. educare — alimentar-se, como movimento de fora para dentro). Esta ideia etimológica de alimentação parece mais conforme com a instituição escolar. A educação é assim um processo de integração pessoal da cultura que dá a possibilidade de projectar e realizar a vida harmoniosamente, dentro da comunidade, com espírito criativo e sentido da autonomia. É segundo tal entendimento que o professor ou docente deve ser um educador. E animador? — pergunta-se.

Animar significa em latim (animare) encher de ar, dar vida a. Metaforicamente, o sentido mantém-se quando se fala de animação cultural. O animador é aquele que, tendo em vista um benefício social e o prazer correspondente, procura restaurar, manter ou aperfeiçoar formas de cultura, como usos e costumes, isto é, dar-lhes vida. Ora há quem oponha a tarefa de instrutor/educador à de animador no campo do ensino-aprendizagem, com a alegação de que as aulas devem ser levadas muito a sério, não se compadecendo com a brincadeira. A brincadeira é então tomada num sentido pejorativo, de folia e leviandade, e não no de actividade lúdica, a qual, se bem orientada, facilita e promove a aprendizagem, como acontece com as crianças que se desenvolvem, jogando. Nas aulas em que a expressão artística e corporal se enquadra directamente nos objetivos, a tentação para encarecer e impor a seriedade compreende-se em princípio, como forma de obstar à deturpação dos meios de aprendizagem, que pode levar à galhofa e ao não-te-rales. Mas a seriedade, acentue-se bem, não elimina o sentimento de prazer e os modos normais, adequados, de o alcançar. O segredo reside no equilíbrio que o professor há-se conseguir entre uma e outra necessidades, evitando tanto o alarido de uma feira como a sisudez de um tribunal.

O bom professor, em qualquer disciplina, tem de ser um bom animador, motivando os seus alunos para conteúdos e actividades que os interessem, a fim de neles se empenharem. Aquilo que de alguma forma nos interessa pode transformar-se em fonte de prazer e a aprendizagem lúdica aparece naturalmente. Para tanto é necessário que quem ensina tenha o prazer de ensinar. Como há-de o ambiente de uma aula ser atraente, se os alunos descobrem que o professor não se sente atraído? Retenha-se um dos sentidos etimológicos de animar: dar vida. E rejeite-se o de encher de ar, num contexto em que o docente não passasse de uma bomba de pressão e os discentes de balões, a esvaziarem-se, logo no fim da aula ou mesmo no fim do ano escolar.

António Cabral para Eito Fora por Pedro Colaço Rosário (2001)

António Cabral [1931-2007] foi um poeta, ficcionista, cronista, ensaísta, dramaturgo, etnógrafo e divulgador da cultura popular portuguesa.

Nascido em Castedo do Douro, em pleno coração duriense, a 30 de Abril de 1931, iniciou a actividade literária com o livro de poesia Sonhos do meu anjo, publicado em 1951. Ao longo de 56 anos de carreira dedicada à escrita, publicou mais de 50 livros em nome próprio, abraçando géneros tão diversos como a poesia, o teatro, a ficção e o ensaio, dedicando-se em paralelo ao estudo apurado e divulgação das tradições populares portuguesas. As suas raízes transmontano-durienses e a ligação à terra que o viu nascer, “o Paraíso do vinho e do suor“, são presença incontornável em toda a sua obra.

Colaborou em jornais e revistas de todo o país, co-fundou as publicações Setentrião, Tellus e Nordeste Cultural, participou em programas televisivos, radiofónicos e conferências, contribuiu com textos para várias antologias, colectâneas e manuais escolares, prefaciou livros. Alguns dos seus poemas foram cantados, no período pré 25 de Abril, por Francisco Fanhais, Adriano Correia de Oliveira, Manuel Freire e, mais recentemente, interpretados pelos Xícara, Rui Spranger, Blandino e Rui David.

No campo da intervenção sociocultural dirigiu, a nível distrital, instituições como o F.A.O.J. (Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis) e o I.N.A.T.E.L. (Instituto Nacional de Aproveitamento dos Tempos Livres), fundou e co-fundou o Centro Cultural Regional de Vila Real (C.C.R.V.R.) e A.N.A.S.C. (Associação Nacional dos Animadores Socioculturais), respectivamente. Como Presidente do C.C.R.V.R., promoveu cinco encontros de escritores e jornalistas de Trás-os-Montes e Alto Douro e impulsionou a realização de vários encontros de jogos populares em Portugal e no estrangeiro.

Diplomado em Teologia pelo Seminário de Santa Clara de Vila Real e Licenciado em Filosofia pela Universidade do Porto, António Cabral exerceu actividade de docente nesta cidade desde 1961 até 2007, no ensino particular, secundário e Magistério Primário, com um breve interregno entre 1988 e 1991, anos em que se dedicou à investigação de jogos populares e ludoteoria como bolseiro do Ministério da Educação.

Foi agraciado com as medalhas de prata de mérito municipal pelas autarquias de Alijó (1985) e Vila Real (1990).

António Cabral faleceu em Vila Real, vítima de doença cardíaca, a 23 de Outubro de 2007. Tinha 76 anos de idade. Nesse mesmo ano de 2007 publicou o livro de poesia O rio que perdeu as margens e deixou no prelo A tentação de Santo Antão, prémio nacional de poesia Fernão Magalhães Gonçalves.

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