Os Pyjamantes

Existe em Vila Real, desde 1956, uma confraria que não tem outra finalidade do que comer bem, beber melhor e encarar a vida com um sorriso permanente, pelo que os pyjamantes se reúnem uma vez por ano, convencidos de que os anos são sempre muitos no calendário da fraternidade em festa. O sábado que precede o 1.º de Dezembro é o dia que inicia e que termina, para iniciar sucessivamente, a folia que se deseja e tem sido um meio de comunicação agradabilíssimo.

Todos os anos há sempre um ou mais neófitos que, num dos momentos mais significativos do ágape, propiciam uma alegria esfuziante cujos pormenores não podem, porque não devem, ser aqui postos de coiro ao léu. Quem o diz é também pyjamante, eu próprio, que procuro encarar a vida sempre como um jogo: o prazer lúdico é fundamental e, pela parte que me toca, vou confiando no Árbitro.

A mensagem é no fundo esta: sejam quais forem as tuas crenças, a tua política e os traços mais definidos da tua personalidade, o que é necessário, porque sem isso nada feito, é dar as mãos, conviver, erguer os olhos, tirá-los, libertá-los dum viver pantanoso e, bebendo-lhe uns copos até à medida, o tal risquinho, rindo sempre, rindo, de quê?, não é preciso dizer, rindo, é o que importa, e contar anedotas e cantar as modinhas de quando éramos estudantes, eia, pois!, brincar com a música: portugueses celebremos…, que é como quem diz: ó ti Zé das barbas brancas… Psiu! Não venha por aí alguém com ouvidinhos de porcelana. (…)

Foi em 1956 que o Excelentíssimo Reitor do Liceu de Vila Real resolveu proibir as folias estudantis, como baile e teatrada, no 1.º de Dezembro, o dia tradicionalmente indicado para tanto, determinando que, nesse dia, só a Mocidade Portuguesa pudesse actuar com suas fardas, música e desfiles embandeirados. Ora que é que fizeram os que não estavam pelos ajustes e iam pensando num país menos acorrentado a padrões totalitários? Fizeram uma reunião de comes-e-bebes, acintosamente vestidos de pijamas, e no fim do repasto apareceram assim no elegante baile do Liceu que a autoridade tinha transferido para a véspera do feriado nacional.

A festa anual dos pyjamantes, desde há anos que se vem realizando no sábado anterior ao 1.º de Dezembro. Este ano promete.

in Notícias de Vila Real (15-11-2006)

António Cabral para Eito Fora por Pedro Colaço Rosário (2001)

António Cabral [1931-2007] foi um poeta, ficcionista, cronista, ensaísta, dramaturgo, etnógrafo e divulgador da cultura popular portuguesa.

Nascido em Castedo do Douro, em pleno coração duriense, a 30 de Abril de 1931, iniciou a actividade literária com o livro de poesia Sonhos do meu anjo, publicado em 1951. Ao longo de 56 anos de carreira dedicada à escrita, publicou mais de 50 livros em nome próprio, abraçando géneros tão diversos como a poesia, o teatro, a ficção e o ensaio, dedicando-se em paralelo ao estudo apurado e divulgação das tradições populares portuguesas. As suas raízes transmontano-durienses e a ligação à terra que o viu nascer, “o Paraíso do vinho e do suor“, são presença incontornável em toda a sua obra.

Colaborou em jornais e revistas de todo o país, co-fundou as publicações Setentrião, Tellus e Nordeste Cultural, participou em programas televisivos, radiofónicos e conferências, contribuiu com textos para várias antologias, colectâneas e manuais escolares, prefaciou livros. Alguns dos seus poemas foram cantados, no período pré 25 de Abril, por Francisco Fanhais, Adriano Correia de Oliveira, Manuel Freire e, mais recentemente, interpretados pelos Xícara, Rui Spranger, Blandino e Rui David.

No campo da intervenção sociocultural dirigiu, a nível distrital, instituições como o F.A.O.J. (Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis) e o I.N.A.T.E.L. (Instituto Nacional de Aproveitamento dos Tempos Livres), fundou e co-fundou o Centro Cultural Regional de Vila Real (C.C.R.V.R.) e A.N.A.S.C. (Associação Nacional dos Animadores Socioculturais), respectivamente. Como Presidente do C.C.R.V.R., promoveu cinco encontros de escritores e jornalistas de Trás-os-Montes e Alto Douro e impulsionou a realização de vários encontros de jogos populares em Portugal e no estrangeiro.

Diplomado em Teologia pelo Seminário de Santa Clara de Vila Real e Licenciado em Filosofia pela Universidade do Porto, António Cabral exerceu actividade de docente nesta cidade desde 1961 até 2007, no ensino particular, secundário e Magistério Primário, com um breve interregno entre 1988 e 1991, anos em que se dedicou à investigação de jogos populares e ludoteoria como bolseiro do Ministério da Educação.

Foi agraciado com as medalhas de prata de mérito municipal pelas autarquias de Alijó (1985) e Vila Real (1990).

António Cabral faleceu em Vila Real, vítima de doença cardíaca, a 23 de Outubro de 2007. Tinha 76 anos de idade. Nesse mesmo ano de 2007 publicou o livro de poesia O rio que perdeu as margens e deixou no prelo A tentação de Santo Antão, prémio nacional de poesia Fernão Magalhães Gonçalves.

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