Douro, meu belo país

Quinta das Bateiras (1988), por Georges Dussaud
Quinta das Bateiras (1988), por Georges Dussaud

Douro, meu belo país do vinho e do suor,
bárbaro canto arrancado à penedia
por um destino que nos faz andar
da alma para os olhos, dos olhos para alma!
Douro, eh lá, uma nova era se anuncia
e traz aos nossos ouvidos uma promessa de rosas.
Ouço já o crepitar das metralhadoras da paz,
esses corações de aço que se chamam tractores.
Ouço-os e uma visão de terra alegre,
alegre como um tesoiro descoberto,
rasga-se, sob o nosso espanto, na tua carne.
Não mais as horas fechadas como punhos
e os morros inóspitos de carqueja bravia.
O tempo estender-se-á na nossa esperança,
claro, claro como um leito nupcial;
nos valados correrá um sol caudaloso,
fulminando, ao seu contacto, os fantasmas da miséria.
Eh lá, Douro, meu belo cavaleiro enamorado
por uma dama que fugia na tua angústia,
depõe, finalmente, os velhos trapos
de matagais, escombros e vinhas amortecidas.
As enxadas deixarão de cavar o desespero;
o ferro e a pá arrumar-se-ão nos arquivos da memória.
Onde irá o tempo das vacas magras
quando um tractor cantar em cada monte
a deliciosa canção da fecundidade?!
Haverá muitos tractores, haverá mais armas
apontadas aos baluartes da fome.
Haverá mais pão, haverá mais rosas.
Eh Douro, meu belo país!

António Cabral para Eito Fora por Pedro Colaço Rosário (2001)

António Cabral [1931-2007] foi um poeta, ficcionista, cronista, ensaísta, dramaturgo, etnógrafo e divulgador da cultura popular portuguesa.

Nascido em Castedo do Douro, em pleno coração duriense, a 30 de Abril de 1931, iniciou a actividade literária com o livro de poesia Sonhos do meu anjo, publicado em 1951. Ao longo de 56 anos de carreira dedicada à escrita, publicou mais de 50 livros em nome próprio, abraçando géneros tão diversos como a poesia, o teatro, a ficção e o ensaio, dedicando-se em paralelo ao estudo apurado e divulgação das tradições populares portuguesas. As suas raízes transmontano-durienses e a ligação à terra que o viu nascer, “o Paraíso do vinho e do suor“, são presença incontornável em toda a sua obra.

Colaborou em jornais e revistas de todo o país, co-fundou as publicações Setentrião, Tellus e Nordeste Cultural, participou em programas televisivos, radiofónicos e conferências, contribuiu com textos para várias antologias, colectâneas e manuais escolares, prefaciou livros. Alguns dos seus poemas foram cantados, no período pré 25 de Abril, por Francisco Fanhais, Adriano Correia de Oliveira, Manuel Freire e, mais recentemente, interpretados pelos Xícara, Rui Spranger, Blandino e Rui David.

No campo da intervenção sociocultural dirigiu, a nível distrital, instituições como o F.A.O.J. (Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis) e o I.N.A.T.E.L. (Instituto Nacional de Aproveitamento dos Tempos Livres), fundou e co-fundou o Centro Cultural Regional de Vila Real (C.C.R.V.R.) e A.N.A.S.C. (Associação Nacional dos Animadores Socioculturais), respectivamente. Como Presidente do C.C.R.V.R., promoveu cinco encontros de escritores e jornalistas de Trás-os-Montes e Alto Douro e impulsionou a realização de vários encontros de jogos populares em Portugal e no estrangeiro.

Diplomado em Teologia pelo Seminário de Santa Clara de Vila Real e Licenciado em Filosofia pela Universidade do Porto, António Cabral exerceu actividade de docente nesta cidade desde 1961 até 2007, no ensino particular, secundário e Magistério Primário, com um breve interregno entre 1988 e 1991, anos em que se dedicou à investigação de jogos populares e ludoteoria como bolseiro do Ministério da Educação.

Foi agraciado com as medalhas de prata de mérito municipal pelas autarquias de Alijó (1985) e Vila Real (1990).

António Cabral faleceu em Vila Real, vítima de doença cardíaca, a 23 de Outubro de 2007. Tinha 76 anos de idade. Nesse mesmo ano de 2007 publicou o livro de poesia O rio que perdeu as margens e deixou no prelo A tentação de Santo Antão, prémio nacional de poesia Fernão Magalhães Gonçalves.

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