São muitas, de Norte a Sul de Portugal, as variantes deste jogo, o que lhe dá uma grande riqueza cultural, mas dificulta os torneios entre equipas de várias zonas, inclusivamente dentro da mesma região. Num torneio organizado pela ex-Junta Central das Casas do Povo de Braga foi um bico-de-obra acertar as regras entre os representantes dos diversos concelhos da zona. Mas é exactamente isso que é desejável: os traços culturais de uma comunidade devem ser respeitados. E nunca os técnicos promovam pura e simplesmente a uniformização, pois essa tentativa é desculturante.

Jogo da malha por Helder Olino
Jogo da malha. Fonte: Helder Olino

Há lugares em que contam para ponto as duas malhas (valores de um, dois, três ou quatro) que ficarem mais perto do pino, se elas forem do mesmo jogador ou da mesma equipa. A pontuação do derrube do pino varia também: dois, quatro, seis ou oito. Por vezes, a equipa que está a perder pode alterar a distância entre os pinos e mudar a posição destes, colocando-os mesmo atrás de obstáculos. O pino, ora está colocado em lugar sem marca especial, ora no centro de uma cruz riscada no chão, ora dentro de um círculo, ora sobre um tabuleiro ou um cepo, chegando a tornar-se invisível para o lançador. Este, ao lançar a malha, deve, em princípio, manter-se junto do pino, aquém de uma raia, mas há lugares em que essa regra não existe. As próprias malhas diferem quanto ao tamanho, peso e espessura, sendo nuns lados de ferro, noutros de pedra e até de madeira. Chegam a usar-se argolas e até bolas. No Algarve há malhas quadradas, no Alentejo opadas, na Estremadura furadas e com uma reentrância, no Douro Litoral pentagonais, hexagonais ou octogonais, ainda que na maior parte do país, inclusive nessas regiões, se usem mais as malhas redondas. O pino, esse, muda de nome com muita facilidade: fito, meco, chito (xito), chino, vinte, palhaço, belho, paulito, palito, piço, bicho, pinoco, etc. Por vezes, acontece que, enquanto uma equipa não acaba um jogo, a outra vai somando jogos sucessivos, até ao número de jogos combinados para a vitória. A equipa atrasada pode, entretanto, recuperar e adiantar-se, sucedendo-se os jogos ininterruptamente, até ao número previamente estabelecido. O próprio jogo assume designações diferentes, desde as que são atribuídas ao pino (Pino, Belho, Fito, Chino, etc.), como ao número primitivo de pinos (cinco para o Chinquilho 1), ao tipo dos objectos arremessados (Malha, Malhão, Vintém), ao número actual de pinos (Gralhas, Gralheiras, Sete Pinos), ao lugar em que o pino se coloca (Cepo), à possibilidade de alterar o esquema inicial (Chincalhão), ao prémio que se disputa (Galo, Atirada ao Frango, Jogo ao Frango) e ao número de caradas necessárias para vencer (Malha dos Cinquenta).

No Algarve há malhas quadradas, no Alentejo opadas, na Estremadura furadas e com uma reentrância, no Douro Litoral pentagonais, hexagonais ou octogonais, ainda que na maior parte do país, inclusive nessas regiões, se usem mais as malhas redondas. O pino, esse, muda de nome com muita facilidade: fito, meco, chito (xito), chino, vinte, palhaço, belho, paulito, palito, piço, bicho, pinoco, etc.

1 – Trás-os Montes e Alto Douro

 

Fito (pares)

1 – Duas equipas de dois jogadores cada uma, colocando-se atrás de cada pino dois adversários.

2 – A distância entre os pinos é de cerca de 20 m e as malhas são de ferro, com um diâmetro de cerca de 10 cm e uma espessura de cerca de 2 cm.

3 – Os concorrentes ou o júri, este no caso de haver eliminatórias, podem adaptar a distância às características do local (nunca aquém de 12 m) e, se as malhas não forem rigorosamente iguais, sorteá-las. Por vezes, cada concorrente tem a sua malha própria.

4 – Os pinos são de ferro — altura e diâmetro de base com cerca de 13 cm e 2,5 cm, respectivamente. A base pode ser mais saliente, a fim de o pino se endireitar com mais facilidade.

5 – Os jogadores atiram ao pino, alternadamente, e começa o jogador que fizer o ponto na jogada preparatória.

6 – Cada ponto (malha mais próxima do pino) vale três e cada carada (derrube do pino) vale seis.

7 – No caso de haver mais de duas equipas, cada eliminatória tem três jogos.

8 – O jogo acaba aos quinze de cima ​​— trinta pontos.

Nalguns locais, o jogador que colocar as duas malhas mais perto do pino do que as do adversário ganha seis pontos, tanto como uma carada. Deixar o adversário em zero é, em certas zonas, dar uma chita, mocho ou sapateiro; deixá-lo com três pontos é dar um garoto; com quinze — uma rolha (“pra meteres no cu”, diz-se, por vezes); antes de quinze — capote. O último ponto é o “foi-se”. Fite diz-se em aldeias do concelho de Mogadouro.

2 – Trás-os-Montes e Beira Alta

 

Malha dos Cinquenta

 

É um jogo intermédio do Cepo e do Fito (corrido).

As malhas são de ferro e os dois pinos, geralmente de ferro também, são colocados em cima de calhaus, distanciados um do outro em 15 m, aproximadamente.

Cada jogador dispõe de uma malha cujo lançamento é feito de uma raia, ao centro da qual se situa o calhau. Só conta a carada directa, isto é, o derrube do pino onde a malha bata, sem antes ter tocado noutro objecto, inclusive o calhau. Tal como no Cepo. Os jogadores, em número variável, depois de terem feito ordenadamente os seus lançamentos, de um lado, vão para o outro, a fim de continuarem o jogo que só termina quando um participante tiver conseguido cinquenta caradas.

Um apontador vai registando as caradas obtidas pelos diferentes jogadores, entrando na patuscada que no fim se realiza — vinho, cerveja, pão com chouriço, umas azeitonas, por vezes uma frangalhada, até um cabrito. Também acontece a berzunda, cujas despesas só o ganhador não custeia, ser substituída por uma ajustada quantia em dinheiro que este recolhe daqueles que revelaram mais fraca pontaria.

Este jogo pratica-se em Gache (Vila Real) e em outros pontos do país. Gache (povoação da freguesia de Lamares) é conhecida na sua região pelo dito: “Lisboa é linda, mas Gache… disse.” Um gachense que, tendo voado para a capital, era incapaz de esquecer o ninho. E com razão: o lugar é aprazível.

A propósito desta malha disse-me um dia um animador de actividades lúdicas, algures no interior do país:

Tínhamos a Malha tão bem organizada… Regras precisas, tudo a correr tão bem! Os dos cinquenta vieram estragar tudo. Nalguns lugares preferem esta modalidade à tradicional.

Eu ri-me e pensei: bem feito! O jogo popular escapa à rigidez desportiva e ainda bem! A cultura é móvel. Por que é que o jogo, que a ciência ilustra, não há-de apostar numa dificuldade cada vez maior? Os jogos populares são móveis, redimensionam-se conforme as circunstâncias e são por isso indomáveis, inincarceráveis como os mais bonitos pássaros do monte: adoecem e morrem, se lhes põem grades à volta. Lá está o desporto para acolher os seus vestígios.

Os jogos populares são móveis, redimensionam-se conforme as circunstâncias e são por isso indomáveis, inincarceráveis como os mais bonitos pássaros do monte: adoecem e morrem, se lhes põem grades à volta. Lá está o desporto para acolher os seus vestígios.

Jogo da malha por Helder Olino
Jogo da malha. Fonte: Helder Olino

3 – Beira Alta

 

Malha

 

A Malha é um dos jogos favoritos dos beirões. A Associação dos Jogos Tradicionais da Guarda tem-lhe dedicado uma grande atenção, organizando torneios gigantescos em que, por vezes, todo um campo de futebol é ocupado pelas equipas, que começam por disputar eliminatórias até ao apuramento de uma equipa vencedora.

Cameira Serra e Pires Veiga publicaram um livro de cinquenta e nove páginas (A Malha, desporto tradicional português) das quais vinte e cinco são dedicadas a este jogo, destacando-se uma codificação rigorosa destinada a campeonatos de clubes.

A Malha joga-se, habitualmente, entre duas equipas constituídas por dois jogadores. Também se realizam jogos manos a mano, ou seja, disputados entre dois jogadores apenas (op. cit., p. 12).

Entre duas equipas, a Malha é como o Fito transmontano, mas a distância entre os pinocos é maior (25 m); as malhas têm um diâmetro de 10,7 cm e um peso aproximado de 430 g; e os pinocos são de madeira, pintados a vermelho nas extremidades e com uma altura de 20 cm e uma base de 5 cm.

4 – Minho

 

Malha (com círculo)

Jogo como o do Fito (pares). Típico de algumas zonas do Minho. O círculo riscado no chão serve para dificultar o jogo e, por vezes, é substituído por um semicírculo. A distância entre os pinocos é de 15 m a 20 m e só se utilizam malhas de ferro. Cada jogador que atira dispõe também de duas malhas, mas estas só contam se ficarem dentro do círculo no centro do qual se coloca um pinoco. O círculo riscado no chão tem 1,5 m de raio, mais ou menos. Uma malha que derrube o pino e saia totalmente do círculo não conta, assim como a malha que for por outra impelida para fora. O derrube (mecada ou carada) vale dois e a malha próxima do pino vale um. O jogo termina aos trinta pontos. Mas a equipa cujo adversário passar dos quinze pode miar. Miar consiste em mudar o pino para outro lado, dentro do círculo.

Jogo da malha por Helder Olino
Jogo da malha. Fonte: Helder Olino

5 – Douro Litoral

 

Malha

 

A Câmara Municipal da Maia distribuiu cadernos com as regras que vamos apresentar na íntegra.

Artigo 1.º — Definição. O Jogo da Malha é um jogo baseado no lançamento de uma patela de ferro (malha) com a forma e dimensões adiante indicadas.

Artigo 2.º — Objectivo do jogo. O objectivo de cada equipa é o derrube do meco ou pino (pau ou paulada) com o lançamento da malha.

Artigo 3.º — Recinto do jogo. O recinto do jogo é uma faixa de terreno na qual são colocados os dois mecos à distância máxima de 12 m e mínima de 7 m, podendo existir obstáculos.

Artigo 4.º — Colocação dos mecos. Os mecos, no início do jogo, terão que ser colocados em terreno livre, mas a meio do jogo a equipa que estiver a perder pode colocá-los, se assim o entender, atrás de qualquer obstáculo, mas sempre dentro dos limites anteriormente fixados.

§ único. — Ao meio jogo a equipa que estiver a perder poderá também colocar num dos mecos a “rata” ou “28”, que obedecem às seguintes regras:

“Rata” — É colocado debaixo de um dos mecos um traço com o comprimento aproximado de 1 m e perpendicular à linha que une os dois mecos. Só serão consideradas válidas as malhas que baterem no solo para além do referido traço.

Não é considerado o derrube directo do meco (pau directo).

“28” — É colocado junto a um dos mecos um traço com o comprimento aproximado de 1 m e perpendicular à linha que une os dois mecos. A distância entre um meco e o traço é tal que permite apenas a colocação de uma malha entre eles. Só serão consideradas válidas as malhas que baterem no solo para além do referido traço.

Artigo 5.º — A malha. A malha é uma patela de ferro de forma hexagonal ou octogonal de aproximadamente 5,5 cm de lado e 2,2 cm de espessura, e de peso aproximado 1500 g. Intervêm no jogo quatro malhas, duas para cada equipa.

Artigo 6.º — Equipas. Este jogo opõe entre si duas equipas, cada uma delas constituída por dois jogadores.

Artigo 7.º — Como jogar a Malha. Os mecos são colocados entre as distâncias máxima e mínima atrás referidas e os jogadores colocados lado a lado, um de cada equipa, e junto a cada um dos mecos. Os jogadores, colocados junto a cada um dos mecos, lançam alternadamente as duas malhas em direcção ao outro meco com a intenção de o derrubar.

Artigo 8.º — Mudança de posição de jogadores. Cada equipa pode proceder, caso entenda, à troca de posição dos seus jogadores, em qualquer altura do jogo.

Artigo 9.º — Pontuação. Lançadas as quatro malhas pelos dois jogadores das duas equipas, proceder-se-á à contagem dos pontos junto ao outro meco e da maneira seguinte:

— dois pontos por cada pau e para a equipa que o fizer;

— um ou dois pontos para a equipa que tiver uma ou duas malhas mais próximas do meco.

Artigo 10.º — Meio jogo. O meio jogo é considerado aos quinze pontos e a equipa em desvantagem na pontuação, nesse momento, pode proceder à mudança de um dos mecos para outro local dentro dos limites e regras atrás fixadas.

Artigo 11.º — Final do jogo. O jogo terminará quando uma das equipas fizer trinta pontos, sendo por conseguinte considerada a vencedora.

6 – Ribatejo

 

Chinquilho, Malha ou Palito

 

Material

Malhas redondas de ferro, com peso, configuração (achatadas ou abauladas, com ou sem ranhura a servir de pega digital) e tamanho variável (diâmetro oscilando entre 10 cm e 13 cm), dois “paus” ou “palitos” de madeira de altura e porte variável (cerca de 25 cm); dois tabuleiros de madeira normalmente fixados ao solo.

Participantes

Jovens e adultos (homens). Jogo de pares ou equipas.

Desenvolvimento

A uma distância pré-determinada e convencionada pelos participantes (rondando os 6 m a 7 m), projecta-se manualmente a malha de ferro, de tal modo a que derrube o “pau” ou “palito” através de pontaria e precisão de gesto. O “pau” ou “palito” encontra-se assente à vertical sobre o tabuleiro, mudando-se de tabuleiro sempre que se atinge o conjunto das jogadas dos participantes. O sistema de “tentos” ou pontos está referenciado ao derrube e aproximação do “pau” (igualmente designado de região para região por: “fito”, “palito”, “bicho”, “chito” ou “palhaço”).

Pode ocorrer a circunstância de serem colocadas moedas sobre o “pau”, as quais ficam em disputa.

O jogo do Chinquilho, designado então por jogo da Malha, pode ser desenvolvido utilizando os participantes no lançamento manual, malhas em matéria de borracha ou de caco (cerâmica) com cerca de 10cm de diâmetro e relativamente leves em relação às malhas de ferro clássicas.

Nesse caso, o “pau” tem um pequeno porte (cerca de 15 cm de altura), podendo não existir os tabuleiros de madeira. Assim, o local onde é assente o “pau” é assinalado com uma cruz e o local de onde se projectam as malhas é referenciado com a marcação de um risco no solo.

Regista-se ainda a variante de o “pau” poder ser colocado sobre um caixote ou banco e a malha ser uma moeda antiga (tipo pataco ou vintém). 2

Jogo da malha por Helder Olino
Jogo da malha. Um apontador regista as caradas obtidas pelos jogadores. Fonte: Helder Olino

7 – Estremadura

 

Chinquilho

 

1 – O jogo do Chinquilho 3 consiste no lançamento de uma malha, com o objectivo de derrubar um pau, que se encontra em cima de um tabuleiro, sendo jogado por equipas.

a) Cada equipa é composta por seis jogadores titulares e dois suplentes.

2 – Fazem parte do jogo: dois tabuleiros de madeira com 60 cm de comprimento, 40 cm de largura e 10 cm de altura, feitos de tronco de árvore com um prego no centro; dois paus de 15 cm cada; seis malhas por equipa com cerca de 2 kg até 3,5 kg cada.

3 – Os paus com 15 cm de comprimento, encontram-se em cima dos tabuleiros, sobre os pregos.

4 – A malha, de peso e dimensões variáveis, não pode ter menos de 2 kg nem mais de 3,5 kg. Deve, contudo, ter formato cilíndrico, com um buraco ao centro.

5 – O jogo, sem limite de tempo, termina aos vinte e quatro pontos.

6 – A distância de prego a prego (ou pau a pau) é de 10 m.

7 – O jogo inicia-se com o arremesso da malha pelo jogador de mão de uma das equipas.

8 – Para a pontuação, cada derrube de frente vale dois pontos, a malha que ficar mais próxima do prego, em cima do tabuleiro, vale um ponto e as malhas dos colegas de equipa que ficarem em cima do tabuleiro valem igualmente um ponto.

9 – O jogador que no arremesso da malha sair do tabuleiro para a frente, antes da malha tocar o solo ou o tabuleiro, é desclassificado.

10 – Quem manda no jogo da equipa são: o primeiro jogador da equipa, considerado o “jogador de mão” e o último jogador da equipa, considerado o “jogador de pé”.

8 – Alentejo

 

Chinquilho

 

É uma variante do jogo da Malha. Em Canhestros usam-se malhas grandes, de ferro, e o jogo termina aos vinte e quatro pontos. O carolo (derrube) vale dois pontos; a malha mais próxima do paulito (pino) vale quatro. Participam três equipas com um jogador de cada lado; a distância entre os paulitos varia entre 10 m e 15 m. As malhas são opadas (mais grossas ao meio) para dificultarem o ponto, uma vez que ao baterem no chão podem deslizar para direcção incerta.

9 – Algarve

 

Xito

 

Constança Brás foi um dia ao Pessegueiro e escreveu: “O jogo do Xito (uma forma de jogo da malha) foi por nós encontrado no Pessegueiro, serra algarvia, quase fronteira com o Alentejo. Assistimos com gosto a um dos campeonatos semanais. Aproximadamente cem homens que vieram das aldeias e montes mais próximos para participarem, com prazer, no campeonato do Xito, com a duração de cerca de oito horas. Os mais idosos, que já deixaram de jogar, participam assistindo. As mulheres preparam a festa e servem o jantar no final das provas. Há prémios, desde o borrego à cerveja, para distribuir pelas equipas vencedoras e que, é bonito constatar, são geralmente oferecidos para o jantar do campeonato seguinte.” 4

Excertos da parte II, “Alguns jogos da malha”, pp. 41-67. No texto original são descritas outras variantes regionais para além das aqui transcritas.

  1. A palavra chinquilho vem do espanhol cinquillo que, por seu lado, assenta em quille, palavra francesa que significa paulito ou bilro (jogo dos bilros, dos paus ou paulitos).
  2. Recolha de Pita Soares, em Santarém.
  3. O texto correspondente a este jogo foi retirado do livro Jogos Populares do Concelho de Sesimbra, edição da Câmara Municipal de Sesimbra, 1988.
  4. CONSTANÇA BRÁS, Apresentação do Jogo do Xito no Pessegueiro, Martim Longo-Algarve, para o I Encontro Nacional dos Jogos da Malha, Oliveira de Azeméis, 1989.

    A autora da comunicação fala bem acertadamente do jogo como festa, tomando-o assim como expressão cultural. A festa está na participação “com prazer” e não apenas no bródio que as mulheres preparam. No mesmo encontro José Neto (Paços de Ferreira) esclareceu o seu conceito de cultura: “Não partilho da concepção (felizmente em grande decadência) estritamente intelectualizante de cultura que limita esta às artes e às letras — cultura é um quadro de Malhoa, uma sinfonia de Beethoven, um drible de Futre, uma mecada pelo lançamento da malha…” Aqueles cem homens a jogarem o Xito (ou Chito), os mais idosos a assistirem e as mulheres a colaborarem nos comes-e-bebes — isso é festa, isso é cultura que merece muita atenção.

António Cabral para Eito Fora por Pedro Colaço Rosário (2001)

António Cabral [1931-2007] foi um poeta, ficcionista, cronista, ensaísta, dramaturgo, etnógrafo e divulgador da cultura popular portuguesa.

Nascido em Castedo do Douro, em pleno coração duriense, a 30 de Abril de 1931, iniciou a actividade literária com o livro de poesia Sonhos do meu anjo, publicado em 1951. Ao longo de 56 anos de carreira dedicada à escrita, publicou mais de 50 livros em nome próprio, abraçando géneros tão diversos como a poesia, o teatro, a ficção e o ensaio, dedicando-se em paralelo ao estudo apurado e divulgação das tradições populares portuguesas. As suas raízes transmontano-durienses e a ligação à terra que o viu nascer, “o Paraíso do vinho e do suor“, são presença incontornável em toda a sua obra.

Colaborou em jornais e revistas de todo o país, co-fundou as publicações Setentrião, Tellus e Nordeste Cultural, participou em programas televisivos, radiofónicos e conferências, contribuiu com textos para várias antologias, colectâneas e manuais escolares, prefaciou livros. Alguns dos seus poemas foram cantados, no período pré 25 de Abril, por Francisco Fanhais, Adriano Correia de Oliveira, Manuel Freire e, mais recentemente, interpretados pelos Xícara, Rui Spranger, Blandino e Rui David.

No campo da intervenção sociocultural dirigiu, a nível distrital, instituições como o F.A.O.J. (Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis) e o I.N.A.T.E.L. (Instituto Nacional de Aproveitamento dos Tempos Livres), fundou e co-fundou o Centro Cultural Regional de Vila Real (C.C.R.V.R.) e A.N.A.S.C. (Associação Nacional dos Animadores Socioculturais), respectivamente. Como Presidente do C.C.R.V.R., promoveu cinco encontros de escritores e jornalistas de Trás-os-Montes e Alto Douro e impulsionou a realização de vários encontros de jogos populares em Portugal e no estrangeiro.

Diplomado em Teologia pelo Seminário de Santa Clara de Vila Real e Licenciado em Filosofia pela Universidade do Porto, António Cabral exerceu actividade de docente nesta cidade desde 1961 até 2007, no ensino particular, secundário e Magistério Primário, com um breve interregno entre 1988 e 1991, anos em que se dedicou à investigação de jogos populares e ludoteoria como bolseiro do Ministério da Educação.

Foi agraciado com as medalhas de prata de mérito municipal pelas autarquias de Alijó (1985) e Vila Real (1990).

António Cabral faleceu em Vila Real, vítima de doença cardíaca, a 23 de Outubro de 2007. Tinha 76 anos de idade. Nesse mesmo ano de 2007 publicou o livro de poesia O rio que perdeu as margens e deixou no prelo A tentação de Santo Antão, prémio nacional de poesia Fernão Magalhães Gonçalves.

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