Emigrantes

Portugal cheiinho de emigrantes. A rebentar pelas costuras. A transbordar. Nas aldeias, nas vilas e nas pequenas cidades do interior os emigrantes dão nas vistas: carros que voam, dinheiro a luzir, a alegria dum abraço. Tudo ruidoso. A saudade das férias. A esperança reanimada ao calor das noivas e das mães. Alguns sonhos partidos, é certo: todo o sonho é de vidro e por isso parte-se com facilidade.

As andorinhas regressam em Março; os emigrantes, em Agosto. Ambos anunciam um reverdecer. Entram em nós. De tal maneira que, às vezes, ficamos com um remorso a ficar na alma.

As andorinhas regressam em Março; os emigrantes, em Agosto. Ambos anunciam um reverdecer.

Os emigrantes acotovelam-se connosco. O espaço é mais curto. Até nos zangamos, quando na loja falta o leite ou o pão. Apercebemo-nos, então, de que Portugal é mesmo pequenino. Mas, apesar disso, com uma das indústrias mais progressivas do mundo: a da emigração.

Pergunto: quem já pensou a sério, bem a sério, nas razões que levam uma pessoa a emigrar?

Adeus, torre do relógio
encravadinha no céu;
vou-me embora porque o tempo
que tu marcas não é o meu.

Adeus, adeus, Montalegre,
já vejo terras de Espanha:
vou ter com o meu amor
que labuta na Alemanha.

Que labuta na Alemanha,
na França, no Canadá:
procura fora da pátria
o que a pátria não lhe dá.

in Correio do Planalto (30-8-1978)

António Cabral para Eito Fora por Pedro Colaço Rosário (2001)

António Cabral [1931-2007] foi um poeta, ficcionista, cronista, ensaísta, dramaturgo, etnógrafo e divulgador da cultura popular portuguesa.

Nascido em Castedo do Douro, em pleno coração duriense, a 30 de Abril de 1931, iniciou a actividade literária com o livro de poesia Sonhos do meu anjo, publicado em 1951. Ao longo de 56 anos de carreira dedicada à escrita, publicou mais de 50 livros em nome próprio, abraçando géneros tão diversos como a poesia, o teatro, a ficção e o ensaio, dedicando-se em paralelo ao estudo apurado e divulgação das tradições populares portuguesas. As suas raízes transmontano-durienses e a ligação à terra que o viu nascer, “o Paraíso do vinho e do suor“, são presença incontornável em toda a sua obra.

Colaborou em jornais e revistas de todo o país, co-fundou as publicações Setentrião, Tellus e Nordeste Cultural, participou em programas televisivos, radiofónicos e conferências, contribuiu com textos para várias antologias, colectâneas e manuais escolares, prefaciou livros. Alguns dos seus poemas foram cantados, no período pré 25 de Abril, por Francisco Fanhais, Adriano Correia de Oliveira, Manuel Freire e, mais recentemente, interpretados pelos Xícara, Rui Spranger, Blandino e Rui David.

No campo da intervenção sociocultural dirigiu, a nível distrital, instituições como o F.A.O.J. (Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis) e o I.N.A.T.E.L. (Instituto Nacional de Aproveitamento dos Tempos Livres), fundou e co-fundou o Centro Cultural Regional de Vila Real (C.C.R.V.R.) e A.N.A.S.C. (Associação Nacional dos Animadores Socioculturais), respectivamente. Como Presidente do C.C.R.V.R., promoveu cinco encontros de escritores e jornalistas de Trás-os-Montes e Alto Douro e impulsionou a realização de vários encontros de jogos populares em Portugal e no estrangeiro.

Diplomado em Teologia pelo Seminário de Santa Clara de Vila Real e Licenciado em Filosofia pela Universidade do Porto, António Cabral exerceu actividade de docente nesta cidade desde 1961 até 2007, no ensino particular, secundário e Magistério Primário, com um breve interregno entre 1988 e 1991, anos em que se dedicou à investigação de jogos populares e ludoteoria como bolseiro do Ministério da Educação.

Foi agraciado com as medalhas de prata de mérito municipal pelas autarquias de Alijó (1985) e Vila Real (1990).

António Cabral faleceu em Vila Real, vítima de doença cardíaca, a 23 de Outubro de 2007. Tinha 76 anos de idade. Nesse mesmo ano de 2007 publicou o livro de poesia O rio que perdeu as margens e deixou no prelo A tentação de Santo Antão, prémio nacional de poesia Fernão Magalhães Gonçalves.

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