O meu Maio-Moço
ele lá vem
vestido de verde
que parece bem.

O meu Maio-Moço
chama-se João;
faz-me guarda à casa
como um capitão.

Refrão

Ele lá vem
pelas hortas abaixo.
Ele lá vem.
pelas vinhas acima.

Viva, viva lá!
Que passe muito bem.

É esta uma cantiga algarvia que alude ao costume de um rapaz vestido de maio, isto é, engalanado de ramagens, andar pelos campos a esconjurar os maus espíritos, defendendo simultaneamente as colheitas e as famílias. Cantigas como esta conhecem-se de Norte a Sul do país, pela Europa e noutros pontos do globo. Celebram o espírito da vegetação e têm em vista, como diz Curt Sachs, o conjuro da fecundidade. O canto associa-se à dança e a manifestações simbólicas em que os ramos de árvore e as maias são os ornamentos essenciais.

“Em Lagos eram as ruas percorridas por um cavaleiro todo adonairado, levando sobre si, obtida por empréstimo, uma fortuna em ouro. A cobiça, certo dia, desvairou o portador que, não resistindo à tentação, com as jóias fugiu para não mais voltar. Chama-se ali Maio, desde então, “o mês que há-de vir”. Tão falada foi a proeza que por Espanha ainda hoje corre o dito: Ser como el Maio de Portugal, que cargaron de joyas y se alzó con todas. Em certas terras do Algarve, porém, ao ser vivo se prefere o mono. A “maia” é, então, boneca que se veste de branco e se rodeia de flores; põe-se no meio da casa e à sua volta se baila” 1.

As festas de Maio, sobretudo do 1.º de Maio, que já vêm do tempo dos gregos e dos romanos que homenageavam Maia, deusa do crescimento, perderam esplendor e nalgum lugares reduzem-se ao enfeitar de portas e janelas com raminhos de giesta florida. Essa mesma sobrevivência do paganismo é atenuada pela influência da religião cristã que leva a hastear pequenas cruzes, feitas de varas, pelas casas e sobretudo pelos campos, no dia 3 de Maio, dia da Invenção da Santa Cruz. Esta prática, como a anterior, mantém-se na região transmontano-duriense, sendo a das maias comum a certas zonas de Inglaterra e não só.

A tradição de colocar maias nas fachadas das casas prende-se com a lenda, segundo a qual, tendo os esbirros de Herodes marcado a casa, onde se acoitava Nossa Senhora, com um ramo de maias, não a puderam no dia seguinte descobrir pois todas as casas da localidade estavam com ramos iguais.

Vamos agora fazer referência a uma região da Península Ibérica, a Galiza, onde a festa dos maios se conserva com grande vitalidade, refinando-se nalguns lugares o modo de ornamentar o Maio figurativo. Sabe-se das fortes afinidades culturais entre Portugal e Galiza no que respeita, entre o mais, aos jogos populares. São importantes as festas de Pontevedra, Ourense, Marim, Redondela, Vilagarcia e Laza.

O Maio, na sua mais simples manifestação, é um rapaz coberto de edra, espadana, folhas e ramagens diversas, que sai acompanhado de um coro de nenos ou moços a percorrer as ruas de vilas e cidades, nos primeiros dias de Maio. A sua origem acredita-se na Compostela medieval e é própria de toda a Europa, onde a representação antropomórfica da força vegetal é uma espécie de justiça popular e constitui a reprovação pública do pecado; também é um rito de fertilidade para o novo ciclo.

As canções dos maios — diz o poeta Celso Emílio Ferreiro — servem para dizer verdades que se ocultaram durante o resto do ano. Um exemplo em que o Conde de Romanones é fustigado:

O conde é um raposo
com más entranhas
que perde o rabo
mas não as manhas.

A criatividade tem-se revelado na maneira de apresentar o Maio que, actualmente, ostenta as seguintes figuras: cuneiforme, piramidal, estrelado, de cruzeiro, de hórreo ou espigueiro, de barco, de palheiro. Adornam-nos com ramalhos, folhas, flores, fiuncho e ovos. Pode ser transportado por meio de rodas e angarelas. Têm-se dado verdadeiras obras de fantasia representando monumentos, torres, igrejas, moinhos, pontes, castelos, etc 2.

Os rapazes que acompanham o Maio vão pedindo, pelas portas e às pessoas que encontram, “maiolas, maias (castanhas secas) ou nozes e agora também dinheiro”. Eis uma das quadras tradicionais, semanticamente bem relacionada com o cantar algarvio citado:

Aí vem o Maio
pela rua arriba.
Aí vem o Maio
— que Deu-lo bendiga.

Ao elemento mimético junta-se o competitivo que culmina com os concursos em que os maios disputam prémios atribuídos por entidades oficiais ou associações culturais. Em Laza (Ourense) é típico o simulacro de luta entre um mouro e um cristão, com vitória deste.

  1. REBELO BONITO, O Maio-Moço, vide Setentrião, Revista de Cultura e Arte, 1, Vila Real, 1962, p. 21
  2. Os Maios como unidade didactica, coordenação de José Paz Rodrigues, “La Región”, 23 de Maio de 1989, Ourense
António Cabral para Eito Fora por Pedro Colaço Rosário (2001)

António Cabral [1931-2007] foi um poeta, ficcionista, cronista, ensaísta, dramaturgo, etnógrafo e divulgador da cultura popular portuguesa.

Nascido em Castedo do Douro, em pleno coração duriense, a 30 de Abril de 1931, iniciou a actividade literária com o livro de poesia Sonhos do meu anjo, publicado em 1951. Ao longo de 56 anos de carreira dedicada à escrita, publicou mais de 50 livros em nome próprio, abraçando géneros tão diversos como a poesia, o teatro, a ficção e o ensaio, dedicando-se em paralelo ao estudo apurado e divulgação das tradições populares portuguesas. As suas raízes transmontano-durienses e a ligação à terra que o viu nascer, “o Paraíso do vinho e do suor“, são presença incontornável em toda a sua obra.

Colaborou em jornais e revistas de todo o país, co-fundou as publicações Setentrião, Tellus e Nordeste Cultural, participou em programas televisivos, radiofónicos e conferências, contribuiu com textos para várias antologias, colectâneas e manuais escolares, prefaciou livros. Alguns dos seus poemas foram cantados, no período pré 25 de Abril, por Francisco Fanhais, Adriano Correia de Oliveira, Manuel Freire e, mais recentemente, interpretados pelos Xícara, Rui Spranger, Blandino e Rui David.

No campo da intervenção sociocultural dirigiu, a nível distrital, instituições como o F.A.O.J. (Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis) e o I.N.A.T.E.L. (Instituto Nacional de Aproveitamento dos Tempos Livres), fundou e co-fundou o Centro Cultural Regional de Vila Real (C.C.R.V.R.) e A.N.A.S.C. (Associação Nacional dos Animadores Socioculturais), respectivamente. Como Presidente do C.C.R.V.R., promoveu cinco encontros de escritores e jornalistas de Trás-os-Montes e Alto Douro e impulsionou a realização de vários encontros de jogos populares em Portugal e no estrangeiro.

Diplomado em Teologia pelo Seminário de Santa Clara de Vila Real e Licenciado em Filosofia pela Universidade do Porto, António Cabral exerceu actividade de docente nesta cidade desde 1961 até 2007, no ensino particular, secundário e Magistério Primário, com um breve interregno entre 1988 e 1991, anos em que se dedicou à investigação de jogos populares e ludoteoria como bolseiro do Ministério da Educação.

Foi agraciado com as medalhas de prata de mérito municipal pelas autarquias de Alijó (1985) e Vila Real (1990).

António Cabral faleceu em Vila Real, vítima de doença cardíaca, a 23 de Outubro de 2007. Tinha 76 anos de idade. Nesse mesmo ano de 2007 publicou o livro de poesia O rio que perdeu as margens e deixou no prelo A tentação de Santo Antão, prémio nacional de poesia Fernão Magalhães Gonçalves.

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