Os búzios do 25 de Abril

No dia vinte de Abril
de um, nove, sete, quatro,
eram quatrocentos búzios
os que enchiam um salão

da Aguda à beira do mar.
Tinham o sangue raiado
dum verde pronto a falar,
mesmo nas barbas da pide.

A manhã não demorava,
não podia demorar.
Eu tinha mulher e filha,
uma filha de embalar.

Que vai fazer este búzio?,
dizia a gente de cá
recolhida em sua concha
nas paredes do seu quarto.

Mas que fartote de búzios
vamos ter para a ceata!,
aguçavam apetites
memórias de Salazar.

Tinham olhos que falavam,
de tanto, de tanto olhar,
os que na praia da Aguda
representavam o mar.

E quatro noites bastaram,
bastaram no seu bastar
de sol que, ouvido a ouvido,
não cessava de zoar.

(25 de Abril de 2005)

Nota do Autor: no dia 21 de Abril de 1974 alguém me disse em Vila Real que, se houvesse no Porto 40 carros celulares, os que tínhamos reunido na Praia da Aguda iríamos todos para o chilindró.

O encontro a que faz referência o poema, e que teve lugar a 20 de Abril de 1974, na Praia da Aguda (Arcozelo, Vila Nova de Gaia), tratou-se de um jantar homenagem a Óscar Lopes onde esteve presente António Cabral (que se deslocou desde Vila Real), entre outros oposicionistas antifascistas.

António Cabral para Eito Fora por Pedro Colaço Rosário (2001)

António Cabral [1931-2007] foi um poeta, ficcionista, cronista, ensaísta, dramaturgo, etnógrafo e divulgador da cultura popular portuguesa.

Nascido em Castedo do Douro, em pleno coração duriense, a 30 de Abril de 1931, iniciou a actividade literária com o livro de poesia Sonhos do meu anjo, publicado em 1951. Ao longo de 56 anos de carreira dedicada à escrita, publicou mais de 50 livros em nome próprio, abraçando géneros tão diversos como a poesia, o teatro, a ficção e o ensaio, dedicando-se em paralelo ao estudo apurado e divulgação das tradições populares portuguesas. As suas raízes transmontano-durienses e a ligação à terra que o viu nascer, “o Paraíso do vinho e do suor“, são presença incontornável em toda a sua obra.

Colaborou em jornais e revistas de todo o país, co-fundou as publicações Setentrião, Tellus e Nordeste Cultural, participou em programas televisivos, radiofónicos e conferências, contribuiu com textos para várias antologias, colectâneas e manuais escolares, prefaciou livros. Alguns dos seus poemas foram cantados, no período pré 25 de Abril, por Francisco Fanhais, Adriano Correia de Oliveira, Manuel Freire e, mais recentemente, interpretados pelos Xícara, Rui Spranger, Blandino e Rui David.

No campo da intervenção sociocultural dirigiu, a nível distrital, instituições como o F.A.O.J. (Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis) e o I.N.A.T.E.L. (Instituto Nacional de Aproveitamento dos Tempos Livres), fundou e co-fundou o Centro Cultural Regional de Vila Real (C.C.R.V.R.) e A.N.A.S.C. (Associação Nacional dos Animadores Socioculturais), respectivamente. Como Presidente do C.C.R.V.R., promoveu cinco encontros de escritores e jornalistas de Trás-os-Montes e Alto Douro e impulsionou a realização de vários encontros de jogos populares em Portugal e no estrangeiro.

Diplomado em Teologia pelo Seminário de Santa Clara de Vila Real e Licenciado em Filosofia pela Universidade do Porto, António Cabral exerceu actividade de docente nesta cidade desde 1961 até 2007, no ensino particular, secundário e Magistério Primário, com um breve interregno entre 1988 e 1991, anos em que se dedicou à investigação de jogos populares e ludoteoria como bolseiro do Ministério da Educação.

Foi agraciado com as medalhas de prata de mérito municipal pelas autarquias de Alijó (1985) e Vila Real (1990).

António Cabral faleceu em Vila Real, vítima de doença cardíaca, a 23 de Outubro de 2007. Tinha 76 anos de idade. Nesse mesmo ano de 2007 publicou o livro de poesia O rio que perdeu as margens e deixou no prelo A tentação de Santo Antão, prémio nacional de poesia Fernão Magalhães Gonçalves.

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