O uso corrente da língua torna o provérbio como sinónimo de ditado popular, adágio, anexim e rifão. Alguns linguistas têm feito a distinção dos termos, valendo a pena observar que o anexim apresenta geralmente forma rimada e carácter moralizante (ex.: quem o alheio veste/ na praça o despe) e o adágio, voltado também para a prática, é marcado por uma intenção espirituosa (ex.: vozes de burro não chegam ao céu; nariz de homem, cu de mulher e focinho de cão não conhecem Verão). Ficam o provérbio, o rifão e o ditado, como equivalentes; constituem nas suas linhas gerais uma observação fina e cintilante do viver, apoiada na experiência, sem terem necessariamente cunho apelativo.
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Pinhão, 8,20
Gare do Pinhão (1985), por Georges Dussaud Em Junho, a fruta começa a apetecer. Um homem passeia no cais e debulha uma nêspera com ar de quem faz horas. 8,20 - diz o relógio. Espera-se. O comboio, um monstro de cem bocas, pardo e caduco, fumega lentamente como um charuto abandonado. Manhã de vidro. Vê-se [...] Continuar a Ler -
A Casa do Douro
Empregados, vitrais, papéis, protestos, ralhos, tonéis e, lá do alto, um presidente. Um tronco para longas ramagens que se estendem, opulentas ou não, sobre o rio. Um tronco carcomido por velhos quindins, Em todo o caso, um tronco. Tirai a conclusão – diria Brecht. A conclusão, às vezes, é um queijo sem faca – penso […]
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À minha filha Eva brincando com um papel
1 Tu és o ser mais belo do mundo. O ser em toda a sua beleza enchendo o meu espaço. Que bom, filha, falar-te com esta simplicidade! Vejo em ti o mundo que começa, sem estrelas ainda altas, sem rios que dividem, um impulso de luz, uma luz que eu não sei donde vem, apesar […]
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À saída do correio
- Donde vem a carta, senhora Maria? - Vem da capital é da Companhia. (A Maria Pêdra tem um ar de pedra onde nem deixaram crescer uma erva). - E que diz a carta, senhora Maria? - Que no Douro o sol nasce ao meio-dia. (A Maria Pêdra fala como quem entra numa igreja e [...] Continuar a Ler -
Descalça vai para a fonte
Mulher de Parada de Gatim com cântaro à cabeça. Autoria provável de Santos Júnior. Via: Isabel Maria Granja Fernandes. 'A loiça preta em Portugal: Estudo histórico, modos de fazer e de usar. Parte I' I Descalça vai para a fonte Leonor pela verdura: vai formosa e não segura. II Se tivesse umas chinelas iria melhor…; [...] Continuar a Ler -
O Marão
Os olhos ficam nesse corpo enorme Que emerge das funduras, Lá no fundo do mundo, E põe os ombros firmes nas alturas. Cimo tão belo como irresistível! Sente-se, ao demandá-lo, O embalo Da esperança ao devorar um impossível.
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A caqueirada
No Carnaval até os cacos entram no banzé: cacos de louça partida e cacos de louça a partir. Como se fosse o tempo de atribuir uma função útil a sarandalhas e escassilhos que já deram o que tinham a dar. Como se o atirá-los para dentro de uma casa fosse um aviso; como se provocá-los ainda uma vez fizesse transpirar do gesto uma lição; ou como se isso não passasse de um excessozinho eufórico em tempo de tácitas permissões.
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O molho de giestas
Quando vem ao longe com um molho de giestas, talvez ela pareça outro molho em posição vertical. Desajeitada. Um dia, um turista, depois de a fotografar com um ar de arqueólogo, e de lhe atirar uns olhos vomitados sobre os pés, cuspiu muito simplesmente para o lado. Vinha descalça. Talvez por comodidade, talvez por necessidade. [...] Continuar a Ler -
A missa do galo
A Missa do Galo começa à meia noite, mas o Catrino chega uns minutos depois e encosta-se à pia de água benta no fundo da igreja. Calado como um rato, não reza nem canta, vendo-se-lhe somente bulir os olhos, como se fossem as luzinhas dum gravador. Ou pontos de interrogação.
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